3. Identifico-me com as posições consensuais que decorrem das conclusões acima expostas e manifesto ainda, como contributo pessoal, as seguintes opiniões:
Para a elaboração deste documento foram analisadas as comunicações apresentadas no decurso das acções de preparação do Congresso da Justiça, que respeitam a aspectos comuns da formação de advogados e magistrados e a aspectos específicos da formação dos magistrados e da formação dos oficiais de justiça – que passo a identificar:
2.1. O Ensino Universitário
A generalidade dos documentos de trabalho aborda o ensino universitário apenas na consideração de que a licenciatura em Direito é
habilitação comum exigível a magistrados e advogados, mas
José Miguel Júdice e João Correia adiantam, contudo, que “as profissões jurídicas devem criar em conjunto uma Comissão de análise da adequação do ensino de Direito às suas necessidades”. E que “tal análise deve ser instrumental do aumento do grau de exigência que as Universidades devem imprimir ao seu ensino, de modo que se não criem ilusões inúteis e prejudiciais para os próprios estudantes, com licenciados cujo nível de preparação é manifestamente insuficiente à saída, estando por vezes abaixo dos mínimos sem os quais não deveriam poder sequer entrar nas Universidades”.
Mas é o específico papel que cabe ao ensino ministrado nas Universidades, como contraponto ao ensino profissionalizante, que se mostra evidenciado nos documentos subscritos por
Orlando Guedes da Costa, Rui do Carmo e Fernando Sousa Magalhães.
Orlando Guedes da Costa salienta que “à Universidade devemos o tesouro dos conhecimentos jurídicos na sua faceta técnico-teórica, mas só à organização representativa das profissões deve exigir-se a formação jurídica e deontológica na sua faceta técnico-prática, não sendo admissível exigir-se à Universidade, até por falta de vocação desta para tal, qualquer formação profissional quer dos Advogados, quer dos Magistrados Judiciais ou do Ministério Público”. Contudo, entende não ser “admissível que as organizações representativas dos profissionais de direito tenham poderes de acreditação dos cursos ministrados pelas Universidades”.
Rui do Carmo, por sua vez, afirma que “o ensino universitário tem objectivos distintos do ensino profissionalizante e este só pode ter êxito se contar com uma boa formação de base dos futuros profissionais, sobre os princípios e as principais áreas do direito”, para concluir que “a crítica ao ensino universitário não deve servir para defender que siga o caminho da formação profissionalizante ou essencialmente prática”.
E
Fernando Sousa Magalhães realça que “os cursos de direito prestam a formação básica para muitas profissões jurídicas, tais como juízes, notários, advogados, solicitadores, conservadores de registo civil, predial e comercial, quadros superiores das empresas, chefes de divisões administrativas, diplomatas, gestores, etc.”, para chamar a atenção de que “nessa formação teórica geral as universidades não abordam ou não tratam com a devida profundidade (...) matérias que sendo ainda, por natureza, de cariz teórico, respeitam mais directamente à formação profissional específica das carreiras judiciárias, razão pela qual as estruturas de formação destas profissões se vêem forçadas a introduzir no seu próprio modelo de formação, a par das práticas tuteladas, acções de formação complementar destinadas a habilitar os candidatos com conhecimentos teóricos suplementares dos adquiridos na formação académica”.
Quanto ao ensino universitário foi, assim, sublinhada a diferenciação que deve manter-se entre este e a formação profissionalizante, mas também a necessidade de se proceder a uma análise da adequação do ensino do Direito ministrado pelas Universidades às necessidades das profissões forenses.2.2. Uma Fase Comum de Formação
O documento elaborado por
Fernando Sousa Magalhães, acima citado, afirma existir um “claro benefício” na criação de uma “fase de formação comum, durante a qual todos os licenciados em direito que pretenderem abraçar uma carreira judiciária possam adquirir os conhecimentos teóricos suplementares indispensáveis a uma mais adequada percepção da vida judiciária”, em interligação com as Universidades.
Ora, da análise da grande parte dos documentos de trabalho, chega-se à conclusão de que há um significativo consenso quanto à criação de um período de formação conjunta para as profissões jurídicas, nomeadamente para magistrados e advogados.
“Dar corpo a uma cultura judiciária comum, que permita “fazer uma opção profissional descomplexada e compreender os valores e códigos de intervenção de cada profissão forense” (
António Cluny), e que se crê ser “essencial à boa administração da justiça” (
Fernando Sousa Magalhães). Ultrapassar as “barreiras culturais e intelectuais entre as profissões, que dificultam o trabalho em comum e o respeito mútuo, além de reforçarem um espírito de casta (...), gerando condições favoráveis à comunicabilidade entre elas” (
José Miguel Júdice/ João Correia), contribuindo para a “desejável distensão do relacionamento entre os diversos profissionais participantes na acção judicial, diluindo ou atenuando, pela melhor compreensão do papel de cada um, o efeito inevitavelmente tenso e gerador de conflitos da dialéctica forense e do discurso judiciário” (
Fernando Sousa Magalhães).
Estas as razões aduzidas em defesa daquele período de formação conjunta.
José Prada, em defesa desta mesma proposta, salienta que magistrados e advogados “são ambos operadores do sistema judiciário e a prática mostra que a existência de um tronco comum na formação das duas Magistraturas tem dado bons resultados” . Enquanto que
Filomena Maia Gomes, não esquecendo as especificidades de cada uma das profissões, diz mesmo que “engrandeceria a formação de qualquer uma delas porque fornecer-lhes-ia a preparação adequada a conhecer sempre a perspectiva do outro”. E
Miguel Alves é mais contundente ao afirmar que “atávico seria pensar que Advogados, Magistrados e restantes profissões ligadas à Justiça não podem definir rumos e objectivos comuns a partir, desde logo, do berço profissional, ou seja, da formação”, pois, “como profissionais do foro que são, protagonizam uma função social de significante interesse público que os leva a ocupar o mesmo palco de actuação, no exercício de diferentes papéis que confluem para um só desígnio: a procura da verdade, a realização da Justiça”.
No que respeita à concretização desse período de formação comum, existe um grande consenso, também, sobre o possível aproveitamento do actual debate à volta do documento “A declaração de Bolonha e o sistema de graus de Ensino Superior – Bases para uma discussão”, subscrito em 1999 pelos Ministros da Educação europeus, que previsivelmente levará a que o tempo da licenciatura em Direito seja fixado em quatro (4) anos, para se pensar em criar um 5º ano de preparação para o ingresso nas profissões forenses.
António Cluny fala expressamente em “pensar no aproveitamento do actual 5º ano de Direito – que desaparecerá dos currículos das Faculdades de Direito, por via da implementação da chamada “Carta de Bolonha” – tendo em vista a criação desse tronco comum de formação das profissões forenses”. Propugna por que seja “um período organizado, conjuntamente, por Faculdades escolhidas para o efeito, o CEJ e o Centro de Formação da Ordem dos Advogados, que tivesse como objectivo a aproximação directa dos licenciados às realidades das profissões judiciárias, o aprofundamento das matérias disciplinares com elas relacionadas”, permitindo, “depois de um exame de Estado, ingresso nos estágios profissionais” e que servisse ainda “de base a uma futura permeabilização de carreiras”.
José Miguel Júdice e João Correia, no mesmo sentido mas por outras palavras, defendem que “não devem ser aceites como dando acesso à formação profissionalizante nas profissões os cursos de Direito com menos de 4 anos, acrescido de um 5º ano (mestrado, de acordo com a tendência para que apontam os trabalhos a nível europeu na sequência da Declaração de Bolonha)”, comum a “quem queira mais cedo ou mais tarde escolher uma Magistratura como destino profissional ou queira como Advogado estar habilitado a exercer patrocínio forense”.
Também
Filomena Maia Gomes e
Miguel Alves defendem uma formação comum universitária pós-licenciatura.
Os modelos da sua organização e execução, contudo, diferem.
José Miguel Júdice e
João Correia vão mais longe na sua definição do que António Cluny, advogando que “as Faculdades deverão obter do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) e da Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados (CNF) (ou do que lhes vier eventualmente a suceder) uma Certificação de Adequação, sem a qual o mestrado não será aceite como condição suficiente de ingresso”. E ainda que “no programa curricular de tais cursos se integrem matérias de Deontologia e de Boas Práticas que, se avalizadas pelo CEJ e CNF, serão aceites, em caso de classificação positiva, na fase de formação seguinte. No final do ano lectivo haverá uma prova pública – escrita e/ou oral – em que só a obtenção do resultado positivo permitirá atribuição do grau de Mestre”.
Já
Filomena Maia Gomes fala de uma “pós-graduação, com programas previamente definidos com intervenção da Ordem dos Advogados”, em que “não só advogados, como nem só professores de direito, mas magistrados e, também, sociólogos e outros académicos poderão dar contributos inestimáveis da formação conjunta inicial das profissões forenses”.
Também
Miguel Alves subscreve a ideia de uma pós-graduação, com “a duração mínima de 6 meses”, sendo “a responsabilidade pela organização administrativa do curso (das) instituições universitárias (...).”, cuja autonomia científica deveria ficar, no entanto, “diluída numa partilha de poderes com a Ordem e o CEJ (...) quer ao nível da conformação dos programas a ministrar, quer ao nível da escolha de alguns dos docentes bem como no acompanhamento do processo de avaliação final”. Mas acrescenta que “ para se poder aceder à Magistratura ou à Advocacia, não bastará ao candidato obter aproveitamento num qualquer curso pós-licenciatura. Terá antes que obter aproveitamento nos cursos de pós-graduação a que o CEJ e a Ordem, em conjunto, entenderem dar crédito”.
Fernando Sousa Magalhães perfilha a ideia de que “a fase de formação comum inicial poderá ser desenvolvida pelas Faculdades de Direito que estejam interessadas na criação de cursos de pós-graduação, a organizar e desenvolver mediante concertação prévia com a Ordem dos Advogados e o CEJ, com a possível inclusão na docência de advogados e magistrados, devendo estes ser, para tal, legalmente autorizados, assim se assegurando a qualidade e a adequação de tais cursos às especiais exigências da formação específica destas carreiras judiciárias”. Mas, para acederem às diversas profissões forenses, os candidatos deverão ser sujeitos, “após este período de formação comum”, a uma “rigorosa avaliação das capacidades técnicas e deontológicas (...), através da aplicação de sistema de avaliação a definir”.
Por último, também
Adriano Garção Soares, apesar de não advogar pessoalmente “a formação em tronco comum”, desde logo por a considerar “seguramente inviável em termos financeiros se se quisesse fazer esta em estruturas como a da nossa escola de magistrados (CEJ)”, entende que se poderá avançar “no sentido da instituição de meios comuns de formação a nível universitário”, aproveitando a “prevista redução da duração dos cursos de direito, na sequência de orientações comunitárias, para a criação das correspondentes estruturas, na fase terminal ou complementar desses cursos”.
Como se constata da leitura dos extractos acima reproduzidos,
existe um significativo consenso no que respeita à criação, aproveitando a provável redução da licenciatura em Direito para 4 anos, de um período de formação universitária, pós-licenciatura, tendencialmente com a duração de um ano, destinado à preparação conjunta para o ingresso nas profissões forenses, cuja organização teria a intervenção do Centro de Estudos Judiciários e da Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados, sendo a sua frequência com aproveitamento requisito da admissão à candidatura à formação profissionalizante.
Qual o nível de intervenção do CEJ e da CNF, se deve ou não existir certificação de cursos, qual o seu programa curricular, quem deve exercer funções de docência, como se processa o posterior ingresso na formação/estágio profissional – são questões relativamente às quais as posições não são coincidentes, correspondendo, de resto, a uma fase mais avançada do debate, já de organização e execução da “fase de formação comum”.
2.3. O Intercâmbio e a Colaboração na Formação de Magistrados e Advogados
2.3.1. Na Formação Inicial
O consenso volta a ser significativo quanto à necessidade de, a seguir àquela formação de “tronco comum”, existir uma formação inicial profissionalizante específica, mas também ela com pontes de ligação entre as profissões do foro.
José Miguel Júdice e
João Correia defendem mesmo que “a formação profissionalizante para os Mestres em Direito que queiram obter a autorização de exercício de cada uma das profissões (...) deve ser organizada no âmbito do Conselho Superior da Justiça (se vier a ser criado...)” e por uma estrutura “que deve corresponder aos actuais CEJ e CNF (e a que chamaremos Comissão Nacional de Formação Judiciária – CNFJ). Deverá haver matérias comuns a todos e outras diferentes, em função das especificidades de cada profissão, devendo tal formação ser realizada de forma descentralizada nos actuais centros do CEJ, Centros de Estágio da OA, eventualmente nas Universidades e até em outras entidades aprovadas (...)”. O objectivo de tal sistema de formação seria o de permitir que quem realizasse “com proveito, em simultâneo ou em anos diferentes, as provas para acesso a mais de uma profissão jurídica” viesse a ficar “em condições de ao longo da sua vida exercer actividade profissional como Magistrado ou como Advogado, consoante a sua vontade e as necessidades do sistema”.
Miguel Alves considera que “cada profissão deverá optar pelo modelo formativo que mais lhes aprouver”, mas que isso não significa que, concluído aquele período de formação comum, termine “a cooperação formativa entre Magistrados e Advogados”, pois, “apesar desta fase se destinar a uma preparação mais específica do candidato, não poderá nunca olvidar o inevitável cruzamento de caminhos que a prática judiciária proporciona”.
Sustentando a mesma ideia de “cooperação formativa”,
Fernando Sousa Magalhães afirma “ser cada vez menos sustentável a ideia de que o processo de formação dos diversos agentes participantes na administração da justiça deva prosseguir através de sistemas herméticos e institucionalmente bloqueados e isolados entre si, o que apenas contribui para o afastamento dessas profissões e para o correlativo enfraquecimento da função judicial”.
Assim como
Orlando Guedes da Costa, que, advogando existir “uma diferenciação e especialização cada vez maiores não só nos campos de trabalho, mas também nos papéis profissionais e ainda nos perfis de actuação dos vários profissionais de Direito”, entende, contudo, que se trata de “profissões que se completam umas às outras e que têm de conhecer-se mutuamente para se obter a optimização da sua eficácia”. Considera, para que seja alcançado este desiderato, ser desejável “que se incluam nos corpos docentes dos Centros Distritais de Estágio da Ordem dos Advogados alguns Magistrados Judiciais ou do Ministério Público e no Centro de Estudos Judiciários alguns Advogados, o que muito enriqueceria a advocacia e as magistraturas, sobretudo porque teria um papel pedagógico para Advogados e Magistrados no sentido de que fazem partes de duas profissões diversas quanto às funções que exercem, mas muito íntimas uma da outra e inteiramente equiparadas no plano da dignidade”.
Ou ainda
Rui do Carmo, ao propor que sejam “criadas pontes entre a formação dos magistrados e a formação dos advogados”, para o que, a seu ver, “na formação inicial devem realizar-se acções coordenadas (teórico-práticas e de contacto profissional) entre a Comissão Nacional de Formação e os Centros Distritais de Estágio da Ordem dos Advogados, por um lado, e o Centro de Estudos Judiciários por outro, tendo em vista uma melhor compreensão do sistema no seu todo, das funções de cada um e da sua relativa importância no processo de administração da justiça, assim como a aprendizagem do relacionamento interpessoal e interinstitucional”.
Artur Pinto Faria, por seu turno, prefere sublinhar a importância de existir uma formação profissional bem diferenciada, nos termos que passo a citar: “Sendo, como é, o poder judicial (e sendo, por conseguinte, as profissões que o exercitam) o último arrimo, o substracto axiológico, a reserva de valores civilizados duma comunidade, a que o cidadão recorre, por um lado, e, por outro, sendo naturalmente distintas as funções que convergem para o seu exercício efectivo, não é de estranhar que os sistemas de formação sejam o reflexo dessa diversidade funcional. E creio, finalmente, que tal reflexo, por ser co-natural com a multifuncionalidade dos sistemas jurídico-judiciários, os serve melhor (e servindo-os, beneficia a cidadania) do que uma estrutura aglutinadora enquadrada no Estado”.
Formação específica diferenciada para a magistratura e para a advocacia, após a referida formação comum, mas com intercâmbio de formadores, de experiências e acções conjuntas – estes os traços expressivos colhidos dos textos acima citados. 2.3.2. Na Formação Permanente e EspecializadaFalando agora da formação permanente, para além da defesa da sua importância, os documentos de trabalho apresentados referem-se, também aqui, à necessidade de existir uma cooperação na sua execução entre as magistraturas e a advocacia.
José Miguel Júdice e
João Correia defendem que a, por eles proposta, CNFJ (Comissão Nacional de Formação Judiciária) seja “a coordenadora das acções de formação contínua para cada uma das profissões, sem cuja frequência mínima, quinquenal ou trienal a determinar, não será possível continuar a exercer a profissão. Deste modo, os profissionais que se formaram inicialmente em conjunto e que terão tendência em número significativo para obtenção das licenças para exercer mais de uma das profissões, continuarão a manter formação conjunta e aberta...”.
A realização de acções conjuntas de formação contínua que, desde há vários anos, se vêm desenvolvendo em colaboração da Ordem dos Advogados com o Centro de Estudos Judiciários é referida por
Adriano Garção Soares, que sublinha a existência de um Protocolo celebrado, nesse sentido, entre aquelas duas entidades, em 04 de Setembro de 2002.
Filomena Maia Gomes, depois de sublinhar a existência de “muitas preocupações conjuntas que merecem um tratamento comum”, que “nem sequer se esgotam no âmbito da preparação técnico-científica”, envolvendo “questões de natureza relacional que têm a ver com a vida forense e que merecem uma reflexão conjunta”, lembra que existe já experiência de formação comum “no âmbito da formação contínua”.
“Advogar a necessidade de empenhamento comum nesta matéria”, assim se exprime
Miguel Alves na defesa de uma linha de orientação que
Fernando Sousa Magalhães, por sua vez, explicita nos seguintes termos: “a Ordem dos Advogados e as Magistratura deverão prosseguir uma política de formação permanente com base no princípio da interligação solidária das diversas profissões forenses, reforçando-se a participação cruzada de Advogados e Magistrados de reconhecido mérito nos respectivos processos de formação”.
Também nos documentos elaborados por magistrados se apela ao “incentivar da formação permanente comum” (
António Cluny), se toma posição no sentido de que “na formação permanente devem ser incrementadas acções conjuntas (englobando as diversas profissões judiciárias), sem prejuízo de cada profissão ter necessidade de manter a sua formação específica” (
Rui do Carmo), que deve ser desenvolvida uma “contínua troca de experiências” entre as diversas profissões judiciárias, “concebendo-se, designadamente no âmbito da formação permanente, acções conjuntas de modo a que nos apercebamos, adequadamente, dos problemas e dificuldades de todos, condição essencial a estabelecer-se um relacionamento profissional na base de um elevado respeito mútuo para um funcionamento profícuo de todo o sistema judicial” (
Maria Paula Sá Fernandes).
No sentido da concretização de um espaço comum que facilite e promova a formação comum,
A. Raposo Subtil e Rui Maurício sugerem que “todas as profissões jurídicas (...) desenvolvam a sua formação, na parte não específica, no modelo de “formação à distância” suportado num Centro de Formação On-line “Comum”, tendo em vista fomentar e reforçar um sentido de comunidade profissional e racionalizar meios, nomeadamente:
a) Promovendo em conjunto cursos de formação “on-line”;
b) Utilizando o
sistema de vídeo-conferência dos tribunais para organizar cursos de formação à
distância e simulação de diligências judiciais, destinados a todas as
profissões;
c) Organizando um acervo de “vídeos/ filmes pedagógicos”, que
possam ser utilizados por todos os profissionais e viabilizem o “conhecimento
das boas práticas.”
A necessidade da formação permanente ou contínua e o incremento da sua realização conjunta entre magistrados e advogados são, pois, opiniões que acolhem um amplo consenso.
2.4. A Formação dos MagistradosTratam da Formação dos Magistrados os documentos de trabalho apresentados por
António Cluny, José Maria Rodrigues da Silva, Maria Paula Sá Fernandes e
Rui do Carmo.Da contribuição de
José Maria Rodrigues da Silva para o Congresso da Justiça, extraímos a seguinte conclusão, citando as palavras do autor: “A opção pelo sistema de magistraturas separadas aconselhará uma formação diferenciada enquanto que a opção pelo sistema de magistraturas unificadas imporá igual formação para todos os magistrados. Num caso como noutro, porém, cabe também à formação chamar a atenção dos formandos para os princípios que decorrem da natureza do tribunal, com relevo para a incindibilidade do binómio “tribunal/juiz” e desincentivar a formação de centros autónomos de poder decorrentes da conversão das classes profissionais em classes sociais”.
Maria Paula Sá Fernandes propôs-se tratar especificamente do conteúdo da formação dos juízes, começando por enunciar “4 linhas de orientação”: 1ª A imprescindibilidade do estudo e reflexão “sobre os princípios constitucionais que envolvem todo o sistema judiciário”; 2ª Uma exigente formação deontológica; 3ª Uma exigente formação técnico-jurídica; 4ª A multidisciplinariedade na formação – concluindo que “a formação deverá ser orientada na procura da harmonização entre o normativo, a realidade social e a função jurisdicional”.
Propendendo claramente para uma formação inicial diferenciada de juízes e procuradores, a ser ministrada, contudo, em ambos os casos, pelo CEJ, advoga que “quando iniciado o curso de formação os candidatos já tenham feito a opção de magistratura, para que essa formação possa ser orientada no sentido da profissão a exercer e, também, para que haja uma maior transparência em todo o processo formativo, nomeadamente nas relações entre formadores e formandos”. Defende tendencialmente a separação da formação inicial porque, a seu ver, “a crescente complexidade e especificidade da realidade judiciária com uma crescente diversidade nos ramos do direito pressupõe uma área de intervenção técnica e social, com um exercício muito desigual para ambas as magistraturas”, e também porque, em sua opinião, “a exigência de uma formação conjunta tem determinado um carácter generalista da mesma e implicado uma menor atenção da formação nas áreas ligadas aos ramos de direito de natureza civilística, tornando, por isso, deficitária a formação dos candidatos à magistratura judicial, para quem a formação nestas áreas exige uma desenvolvimento muito maior”.
Afirma, contudo, que “essa separação de base não deverá prejudicar a existência de um tronco comum sempre que tal for possível, ou, se esse for o consenso, de um período inicial conjunto, pois há pontos de convergência, designadamente quanto à compreensão global do fenómeno judiciário e à interacção das funções, numa cultura comum de responsabilização e cidadania”.
No que respeita à Formação Permanente e Especializada,
Maria Paula Sá Fernandes defende o reforço da sua importância, entendendo que “deverá ser repensado, nesta área, o enquadramento de competências e a interacção entre o Conselho Superior da Magistratura e o Centro de Estudos Judiciários”.
Rui do Carmo trata genericamente da formação de magistrados, judiciais e do Ministério Público. Começa por se referir ao recrutamento dos candidatos à magistratura, para defender que “não deve existir qualquer limitação a que os licenciados em Direito, logo que concluída a licenciatura, sejam candidatos ao ingresso em qualquer das magistraturas”. Posição que é subscrita pela comunicação da
Comissão Regional da Madeira, para a qual “a solução vigente apresenta mais inconvenientes do que vantagens porque o tempo de espera necessário entre a conclusão da licenciatura e o ingresso no Centro de Estudos Judiciários é fortemente desmobilizador para os candidatos e impede que o ingresso nas Magistraturas corresponda a uma primeira escolha”.
Mas, acrescenta
Rui do Carmo que esta via de ingresso “deve coexistir com uma outra dirigida a candidatos com reconhecida experiência e competência profissionais em outras funções jurídicas. Em ambos os casos, respeitando sempre o princípio do concurso público”.
Entende que o período de formação inicial profissionalizante, da responsabilidade do Centro de Estudos Judiciários, deverá ter como objectivo “formar magistrados que tenham uma boa compreensão da função social que vão exercer e do seu estatuto constitucional e profissional; que, no exercício das suas funções, sejam capazes de apreender e compreender os factos da vida e a complexidade dos problemas que são colocados à sua apreciação, de os tratar com competência técnica, alto sentido de responsabilidade e de serviço à causa pública da justiça; e cuja entrada no sistema de justiça seja, para este, um factor de inovação. Por outras palavras: que sejam tecnicamente competentes, culturalmente esclarecidos e socialmente empenhados”.
E, numa posição diferente da expressa na comunicação anteriormente abordada, sustenta que “a formação inicial dos magistrados judiciais e do Ministério Público deve ter períodos comuns de formação teórica e prática, bem como períodos de formação específica para cada uma das magistraturas”. Em defesa da sua posição, adianta o argumento de que “importa que todos os futuros magistrados tenham um conhecimento directo e uma compreensão global do funcionamento do sistema de justiça e, simultaneamente, que estejam preparados para assumir a especificidade das funções de juiz ou procurador-adjunto, conforme a sua opção”.
No que respeita à formação permanente, lê-se no seu documento de trabalho, que “deve ser consignado o direito dos magistrados à formação permanente, mas também o seu dever de exercer esse direito. A formação permanente tem de ser entendida como tendo um relevo essencial para o exercício de funções, devendo a carreira, cada vez mais, premiar a qualificação e competência profissionais. O direito dos magistrados à formação permanente implica, desde logo, o estabelecimento de critérios quanto ao tempo disponível, às prioridades na frequência das acções, ao regime de substituições e ao pagamento dos respectivos custos. O dever dos magistrados de exercer aquele direito implica a sua valorização para efeitos de carreira e/ou ocupação de certos lugares e também a possibilidade de os Conselhos Superiores poderem classificar de obrigatória a presença em determinadas acções de formação”.
António Cluny manifesta-se preocupado com a “pouca capacidade que os juristas e mormente os magistrados têm para se situar perante a realidade dos problemas sociais e económicos actuais” e com a sua percepção de que “a vida que os magistrados e advogados devem conhecer e em que têm de intervir é já uma outra vida bem diferente daquela que a Universidade e os estágios profissionais revelam”, para concluir que “a preparação actual da maioria dos nossos operadores judiciários parece insuficiente”.
Quanto à formação inicial dos magistrados, defende que se deve “repensar todo o tipo de formação, designadamente a que não se reporta apenas à aquisição passiva de conhecimentos jurídicos”. Partindo do seu entendimento de que “ a magistratura, apesar de bem apetrechada (...) do ponto de vista da dogmática jurídica e processual, não consegue já abarcar, através da normal vivência dos seus elementos, uma substancial parte da realidade sobre a qual deve agir”; e de que “ a advocacia, ou pelo menos parte dela, porque mais directamente relacionada e agindo profissional e directamente sobre as actividades económicas, bancárias, de seguros e até bolsistas, mesmo quando não dotada de uma tão boa bagagem jurídico-formal, está em muito melhores condições para conceber a substância de muitos dos problemas que os Tribunais são chamados a resolver” – propugna pela “necessidade de se encarar a possibilidade de um período preliminar de estágios junto dos sectores produtivos, da administração e das organizações da sociedade civil”.
Sublinha, no que respeita à formação ao longo da carreira, que se deve “assumir a necessidade de uma aprendizagem permanente. Uma formação (permanente e especializada) que não só sirva a vontade e especial apetência individual do magistrado para o aprofundamento ou a aquisição de novos conhecimentos, mas que, também, seja condicionante essencial da sua carreira tanto ao nível da possibilidade do desempenho de funções especializadas, como, ainda, ao nível dos requisitos específicos para exercer cargos de direcção ou hierarquia”.
Consensual é a defesa do Centro de Estudos Judiciários como sendo a instituição que deve organizar e implementar a formação profissionalizante dos magistrados, a eliminação de qualquer tempo de espera obrigatório entre o termo dos estudos universitários e a candidatura ao ingresso naquele, assim como a urgente necessidade de se valorizar a formação permanente e especializada.
Sendo genericamente admitido um período de formação conjunta para ambas as magistraturas, assim como a necessidade de existir formação específica para cada uma delas, as soluções apresentadas são, contudo, significativamente diferentes.
2.5. A Formação dos Oficiais de JustiçaOs documentos de trabalho respeitantes à formação dos Oficiais de Justiça coincidem na crítica à deficiente afectação de meios humanos e materiais ao Centro de Formação dos Oficiais de Justiça, bem como ao facto de os recursos disponíveis não estarem a ser orientados prioritariamente para a formação de ingresso.
Rafael B. Fernandes sublinha que se tem “cometido um grave erro estratégico, o de considerar como prioritária a formação (pretensa formação, nos últimos tempos) tendente a seleccionar e graduar, ao nível do acesso”. A seu ver, “será de boa filosofia a aposta principal na formação para o ingresso, que sustentará, no imediato, um melhor desempenho e permitirá disponibilizar mais meios para a actualização de conhecimentos”.
Bento de Almeida, em sentido idêntico, afirma que “a formação destes anos está marcada pelo desvio acentuado dos recursos humanos e financeiros existentes, orientados na preparação para acesso à categoria de Secretários de Justiça e a Escrivães de Direito, muitos destes em fim de carreira, fruto de um recrutamento restritivo, com enormes prejuízos para a categoria de ingresso, a começar pelos estágios, cujo tempo de duração serviu, em muitos casos, para despistar os candidatos, conduzindo-os e explorando-os em tarefas muito básicas e de pequena importância, baseadas quase exclusivamente no conhecimento empírico por força das necessidades de serviço”.
Quanto à formação de base para o acesso à carreira de oficial de justiça,
Rafael B. Fernandes lembra que “é intenção declarada que, já no próximo ano lectivo, tal formação venha a ser ministrada num curso, de nível superior médio, em estabelecimento superior público”, enquanto que
Bento de Almeida defende que “o ingresso deverá continuar a preparar-se em escolas técnico-profissionais”.
A formação contínua ou permanente, presencial e descentralizada, é efendida em ambos os documentos.
Rafael B. Fernandes, por sua vez, propõe o “aproveitamento das potencialidades do CEJ na colaboração na formação dos oficiais de justiça”.
Verifica-se haver coincidência na defesa da necessidade de uma formação de base para o ingresso na carreira, da atribuição da prioridade na afectação dos meios existentes à formação para o ingresso e na necessidade de implementar a formação permanente ou contínua, presencial e descentralizada.
3. ALGUMAS OPINIÕES
Exporei agora algumas opiniões pessoais sobre a importância da formação (3.1.), a formação universitária e a formação para o exercício das profissões forenses (3.2.), a formação dos magistrados (3.3.) e a formação dos oficiais de justiça (3.4.), propositadamente restritas ao debate genérico dos modelos, pois entendo não ser objectivo deste Congresso da Justiça debater os detalhes da sua execução.
3.1. A importância da formação
A necessidade de incrementar a formação académica, a formação para o exercício da concreta profissão, a formação ao longo da vida profissional – como condição de qualidade e produtividade – é hoje consensual no domínio da actividade económica e empresarial, mesmo da actividade cultural e social.
No âmbito das profissões forenses, nomeadamente nas magistraturas, a batalhada formação é uma batalha que ainda não está ganha e que tem, mesmo, sofrido graves revezes nos últimos anos.
Não está ganha porque o Estado não tem garantido as condições necessárias ao adequado funcionamento das estruturas responsáveis pela formação, sejam de financiamento sejam de estabilidade institucional.
Não está ganha porque existem ainda significativas e incompreensíveis resistências, nas profissões e nos seus órgãos, à afirmação de uma cultura de formação e de exigência profissional.
Nunca estará ganha enquanto a qualificação profissional não for condição de ascensão na carreira, de ocupação de lugares em jurisdições especializadas ou de lugares de direcção ou responsabilidade hierárquica.
3.2. A Formação Universitária e a Formação para o Exercício das Profissões ForensesA formação para o exercício da função de magistrado ou de advogado não se basta com a formação académica, universitária. Quem está habilitado com uma licenciatura em Direito não está, por essa única razão, apto a exercer as funções de juiz, de procurador-adjunto ou de advogado.
O ensino universitário tem objectivos distintos do ensino profissionalizante e este só pode ter êxito se contar com uma boa formação de base dos futuros profissionais, sobre os princípios e as principais áreas do direito.
Importa avaliar e reflectir sobre a adequação dos currículos universitários às necessidades das profissões forenses e promover uma estreita relação de debate, reflexão e de intercâmbio de informações e experiências entre as Universidades, os órgãos de gestão e as entidades responsáveis pela formação das magistraturas e da advocacia. Mas, a crítica ao ensino universitário não pode servir para defender que este deva seguir, ao nível da licenciatura, o caminho da formação profissionalizante ou essencialmente prática.
Nas comunicações apresentadas durante o processo de preparação deste Congresso da Justiça existe – como já acima referi - um significativo consenso no que respeita à criação, aproveitando a provável redução da licenciatura em Direito para 4 anos, resultante da implementação da Declaração de Bolonha, de um período de formação universitária, pós-licenciatura, tendencialmente com a duração de um ano, destinado à preparação conjunta para o ingresso nas profissões forenses, cuja definição curricular e organização teriam, necessariamente, a intervenção do Centro de Estudos Judiciários e da Comissão Nacional de Formação da Ordem dos Advogados, sendo a sua frequência com aproveitamento requisito da admissão à candidatura à formação profissionalizante.
É, a meu ver, uma opção de aplaudir, que, através de um currículo que tome em conta os principais conhecimentos necessários ao exercício das profissões forenses, não adquiridos durante a licenciatura, e proporcione já uma primeira reflexão sobre as exigências da prática da administração da justiça, aumentará a preparação dos candidatos e, como sublinhado nalgumas das comunicações, contribuirá para a criação de uma cultura judiciária comum.
A posterior formação específica de magistrados e de advogados deve, em meu entender, continuar a ser organizada e executada por entidades diferentes - o Centro de Estudos Judiciários e as estruturas de formação da Ordem dos Advogados, respectivamente - e com programas próprios. Mas, quer na formação inicial quer na formação permanente, a colaboração, o conhecimento recíproco e as acções comuns devem ser implementados. Assim como deve manter-se a colaboração estreita com as Universidades.
A formação de magistrados deve contar com a colaboração de advogados, a formação de advogados deve contar com a colaboração de magistrados, os auditores de justiça devem participar em acções de formação dos advogados estagiários e estes devem participar em acções de formação dos auditores de justiça, devem aumentar as acções de formação e os encontros de reflexão conjuntos, deve potenciar-se o conhecimento por cada um da função do outro, não para que se confundam os papéis, mas sim para que cada profissional do foro possa exercer plenamente as suas competências na compreensão e respeito pelas competências dos outros.
3.3. A Formação dos Magistrados
Começando por me referir ao
recrutamento, defendo que não deve existir qualquer limitação a que os licenciados em Direito, logo que concluída a licenciatura (ou, se e quando for implementada, a já referida fase de formação comum às profissões forenses), sejam candidatos ao ingresso em qualquer das magistraturas. Mas, esta via de ingresso deve coexistir com uma outra dirigida a candidatos com reconhecida experiência e competência profissionais em outras funções jurídicas. Em ambos os casos, respeitando sempre o princípio do concurso público.
Decisivo para uma correcta aplicação do direito é o nível de formação, a qualificação profissional e cultural, que os magistrados possuam os conhecimentos necessários à compreensão dos vários aspectos da realidade social, e não a idade. Contudo, a coexistência de uma via de ingresso destinada a outros profissionais permitiria uma maior diversidade de idades, de trajectos e de experiências profissionais no exercício das mesmas competências funcionais – o que constituiria um ganho de democraticidade, de pluralismo e de potencial adequação das respostas a produzir pelo sistema judiciário.
O processo de
formação profissionalizante, por sua vez, terá de tomar em consideração que a crescente complexidade social e técnica, e a novidade com que os magistrados judiciais e do Ministério Público têm de lidar diariamente, bem como a crescente exigência de qualidade no exercício das funções, não se coadunam com um processo de preparação para a profissão que se fique pela “formação no exercício”. A recuperação do processo de aprendizagem pela repetição constituiria um retrocesso histórico. Significaria a opção por um modelo de magistrado funcionalizado, reprodutor das rotinas incrustadas e produzidas pelo próprio sistema, capaz de responder de forma esperada às questões que tem a decidir, sem espírito crítico e sem capacidade de iniciativa e de inovação.
Pelo contrário, o objectivo deverá ser o de formar magistrados :
- que tenham uma boa compreensão da função social que vão exercer e do seu estatuto constitucional e profissional;
- que, no exercício das suas funções, sejam capazes de apreender e compreender os factos da vida e a complexidade dos problemas que são colocados à sua apreciação, de os tratar com competência técnica, alto sentido de responsabilidade e de serviço à causa pública da justiça;
- e cuja entrada no sistema de justiça seja, para este, um factor de inovação.
Por outras palavras: que sejam tecnicamente competentes, culturalmente esclarecidos e socialmente empenhados.
O processo de formação terá de partir dos conhecimentos sobre as principais áreas do direito adquiridos nas Universidades para reflectir e experimentar a sua aplicação à vida, complementando-os com conhecimentos de outros ramos do saber igualmente essenciais para o correcto cumprimento das funções; deve conciliar o conhecimento da realidade sócio-económico-cultural com a aprendizagem do saber fazer e do saber estar, colocando especial tónica na criação de competências; deve integrar, obrigatoriamente, formação nas áreas da ética, da deontologia e da organização e métodos; deve conciliar períodos de estudo e reflexão com períodos de contacto com o exterior do sistema de justiça, de acompanhamento da prática judiciária e de experimentação.
E deve ser organizado e dirigido por uma instituição própria, comum às magistraturas judicial e do Ministério Público, que em Portugal deve continuar a ser o Centro de Estudos Judiciários. O seu estatuto deve garantir o equilíbrio na relação com o poder político e com os Conselhos Superiores das magistraturas, que passa pela sua autonomia administrativa e financeira, por uma composição do Conselho de Gestão que garanta a legitimidade democrática no exercício das respectivas funções e por uma relação muito próxima com os Conselhos Superiores na preparação e execução do plano anual de actividades.
A formação inicial dos magistrados judiciais e do Ministério Público deve ter períodos comuns de formação teórica e prática, bem como períodos de formação específica para cada uma das magistraturas.
Importa que todos os futuros magistrados tenham um conhecimento directo e uma compreensão global do funcionamento do sistema de justiça e, simultaneamente, que estejam preparados para assumir a especificidade das funções de juiz ou procurador-adjunto, conforme a sua opção.
Reflectindo sobre o actual sistema de formação, defendo que se deverá manter um período de formação teórico-prática no CEJ comum aos candidatos a ambas as magistraturas, mas mais alargado do que o actual; que se deverá manter um período de formação comum nos tribunais, mas de tempo mais reduzido do que o actual; que deveria existir, antes do estágio, um período temporalmente significativo de formação específica para a magistratura por que o candidato optou; e que se deveriam criar condições para a realização de “estágios” de contacto junto de entidades e para conhecimento de realidades exteriores às magistraturas e ao sistema de justiça.
Tudo isto em contra-vapor à actual tendência de reduzir indiscriminadamente os tempos e a exigência da formação, devendo ser revogada toda a legislação que, desde o ano 2000, tem vindo a permitir o sistemático encurtamento injustificado da duração da formação dos candidatos à magistratura e a criar regimes de admissão pouco transparentes.
Abordarei agora a formação permanente e especializada.
Deve ser consignado o direito dos magistrados à formação permanente e especializada, mas também o seu dever de exercer esse direito.
A formação permanente tem de ser entendida como tendo um relevo essencial para o exercício de funções, devendo a carreira, cada vez mais, premiar a qualificação e competência profissionais. O direito dos magistrados à formação permanente implica, desde logo, o estabelecimento de critérios quanto ao tempo disponível, às prioridades na frequência das acções, ao regime de substituições e ao pagamento dos respectivos custos. O dever de cada magistrado exercer aquele direito implica a sua valorização para efeitos de carreira e/ou ocupação de certos lugares e também a possibilidade de os Conselhos Superiores poderem classificar de obrigatória a presença em determinadas acções de formação.
O investimento na formação permanente (em cuja planificação e acompanhamento da execução os Conselhos Superiores terão de ter um papel decisivo) é essencial e é também, antes de mais, uma obrigação do Estado, que tem de munir a entidade responsável pela sua organização – no caso, o Centro de Estudos Judiciários – dos meios humanos e financeiros necessários.
O CEJ tem de estar em condições de preparar a transformação que se começa a impor, que é a de alterar as prioridades da formação – passar da prioridade à formação inicial para a primazia da formação permanente e especializada.
A alternativa ao reforço da formação permanente e especializada é a manutenção de um sistema de justiça que, por regra, só responde bem aos velhos problemas e aos velhos conflitos e, por isso, corre o risco de se tornar socialmente ineficaz.
Por último: a formação dos magistrados exige um sistema estável, que seja regularmente acompanhado e avaliado, mas não esteja a todo o tempo dependente de mudanças políticas, de jogos estratégicos de predominância corporativa ou de outros factores que não visem a melhoria do desempenho funcional e, por isso, da resposta do sistema de justiça.
3.4. A Formação dos Oficiais de Justiça
Repito aqui as ideias comuns às duas comunicações apresentadas sobre este tema: necessidade de uma formação de base para o ingresso na carreira, a atribuição da prioridade na afectação dos meios existentes à formação para o ingresso e necessidade de implementar a formação permanente ou contínua, presencial e descentralizada.
Quero deixar sublinhada a ideia de que para um correcto e eficaz funcionamento do aparelho judiciário é fundamental uma boa formação dos oficiais de justiça, na qual os magistrados e o Centro de Estudos Judiciários devem ter uma intervenção mais forte.
4. UMA NOTA FINAL
O tema do acesso às profissões judiciárias e da formação de quem as exerce é um tema do foro interno dos magistrados, dos advogados, dos solicitadores, dos oficiais de justiça ou de quaisquer outros profissionais do direito.
O acesso às profissões judiciárias e a sua formação é um debate que respeita ao Estado, aos órgãos do poder político, aos cidadãos (ao povo em nome de quem os tribunais administram a justiça), pelas repercussões que tem sobre o regular e eficaz funcionamento de um sector essencial à construção e fortalecimento do Estado de Direiro Democrático.
Rui do Carmo, Dezembro 2003