Discurso de Anabela Rodrigues na comemoração do 25º aniversário do CEJ
Discurso proferido a 7 de Janeiro 2005, pela Directora do Centro de Estudos Judiciários, professora doutora Anabela Miranda Rodrigues, na abertura da cerimónia comemorativa do XXV aniversário do CEJ (referenciado no Incursões em 15/1/05).
"Comemoram-se, neste ano que vem de entrar, 25 anos de actividade do Centro de Estudos Judiciários. O sentido desta comemoração identifica-se na forma que a soleniza e com o fundo que a justifica.
Aceitou, generosamente Sua Excelência o Presidente da República o convite que a Direcção do Centro de Estudos Judiciários lhe formulou para presidir a esta cerimónia. A presença de Vossa Excelência, que nos honra, entendemo-la como mais um sinal, entre os muitos que vem dando, do relevo em que tem a formação de agentes judiciários para a qualidade da justiça.
Uma palavra de agradecimento sentido ao senhor Ministro da Justiça por mais uma vez estar no Centro de Estudos Judiciários. Esteve na abertura do XXIII Curso de Formação de Magistrados – que, gostosamente, quase enchem hoje este auditório. Esteve na tomada de posse da equipa de dirigentes que me acompanha à frente desta Casa. Está hoje – com o gesto recorrido a deixar a marca indelével do propósito de recolocar a formação de magistrados no lugar que lhe cabe, como vector essencial da reforma da justiça.
Todos nós, os que aqui e agora somos a instituição – dirigentes, docentes, formadores, formandos e funcionários –, experimentamos, nesta circunstância, um misto de orgulho e de responsabilidade no cumprimento do serviço público a que nos devotámos.
A minha homenagem dirige-se ao Centro de Estudos Judiciários
Faço-o nas pessoas concretas que ao longo de 25 anos deram vida à instituição e hoje dão rosto e voz à construção da memória. Sabem daquele momento que inaugura o arco do tempo a que a história pertence.
Duas pessoas – Cunha Rodrigues e Laborinho Lúcio – vão contar-nos daquele dia em que, para usar as palavras de Thomas Mann a diferente propósito, «tiveram início tantas coisas que ainda hoje mal acabaram de começar».
Ambos, de formas diferentes, estão ligados à criação do Centro de Estudos Judiciários e deram o seu esforço, a sua inteligência, a sua experiência para que ele seja hoje uma instituição de referência, enraizada na arquitectura judiciária portuguesa e respeitada no conspecto internacional.
Ambos a comunidade reconhece pela magistratura e pela acção sócio-política.
O retrato de alguém corre sempre o risco de ser o que de fora se vê. Mas, se for verdade que «é a vida mesma que nos biografa», como diz Eduardo Lourenço, reconhece-se em Cunha Rodrigues o poder de olhar para a realidade como se a visse sempre pela primeira vez e que Laborinho Lúcio não desiste de fazer emergir do que toca uma utopia. A potência desveladora da realidade e a força criadora de um e de outro ajudam-nos na tarefa impossível, segundo Borges, de distinguir o fio, entretecido pelas Arianas, que só a nós convém.
Celebrar 25 anos é, ainda, «escolher» o futuro!
O carácter verdadeiramente pioneiro reconhecido à institucionalização da formação de magistrados em Portugal incentiva-nos a descobrir que há outras vitórias para além da da memória.
O renovado sentido da contemporaneidade volta a interpelar-nos e o perfil do magistrado redesenha-se.
Mudou a realidade sociológica e mudou o direito.
Fala-se de «ruptura epocal» e de «choque antropológico» – que identificam uma sociedade global, do risco, caótica e de fluxos instantâneos na sua nova forma de organização. Fala-se de uma alteração de paradigma: estamos nos antípodas do optimismo das Luzes, em que o percurso de domínio do Mundo pelo Homem está comprometido por um percurso de conquista ilimitada. O Coro de Antígona devia hoje ser dito sob o signo da «inquietação» que o retorno dos mitos de Frankenstein ou do Aprendiz de Feiticeiro traduzem.
A globalização traz a marca de um direito pós-moderno, que se constrói em oposição (anti-moderno) ou no prolongamento (hiper-moderno) do direito dito moderno.
Pouco importa a etiqueta que se lhe quiser apôr!
O que é facto é que a paisagem jurídica mudou. A «teoria dos modelos» apela à «catástrofe normativa» para exprimir a ruptura que representam as interligações cada vez mais complexas e interactivas, a animar uma «futura estabilização de acordo com um outro modelo».
A sociedade do risco, fundada no medo, não é um arcaísmo, uma resistência ao progresso. É o último avatar do progresso. Por isso se abre diante de nós como um desafio a possibilidade de criação de novos conceitos de direito – e também de liberdade e de democracia.
O paradigma de justiça das sociedades democráticas actuais é devedor da razão crítica, do pluralismo, da secularização, da defesa intransigente dos direitos humanos – conquistas irrenunciáveis da modernidade que há que preservar. Mas também (é devedor) do equívoco e dos limites do poder da «razão técnico-actuarial» e da cegueira do domínio do Mundo pela tecnociência.
Imperativo é fazer regressar o Homem - uma certa Imagem de Homem – ao centro do Mundo. No novo quadro axiológico, inspirado pelo valor da solidariedade, a liberdade – liberdade solidária – obriga o Homem – digo-o como Baptista Machado nos ensinou – à participação na humanidade histórica como «ser-com-os-outros» e «ser-para-os-outros». E por isso aponta aos direitos individuais a dimensão do que cada um «deve» fazer e não o que «pode» fazer.
É neste fio de horizonte que ressurge a autonomia e independência do judiciário.
Não falo já, à escala mundial, de repensar um novo equilíbrio de poderes – de que Montesquieu nem suspeitaria… - com o político e o económico, na ausência de um legislativo e de um executivo.
Falo de uma administração da justiça, exercida sob a arbitragem dos media e de uma sociedade civil cada vez mais interventiva e atenta, a que se exige produtividade e eficácia. Porque hoje não se duvida que a qualidade de funcionamento do sistema judiciário é um elemento essencial do desenvolvimento económico, numa intersecção revelada por análises económicas da justiça.
Falo de uma administração da justiça que tem de responder comunitariamente pela consideração em que tem os interesses, expectativas e necessidades dos cidadãos e pelo resultado do seu desempenho. O que é hoje uma exigência democrática.
E falo de uma administração da justiça que tenha sempre por trasfondo que é exercida pelo Homem e para o Homem. Isto é: sob o pano de fundo dos valores do Estado de Direito e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados.
A trama judiciária tece-se com estes fios.
A criação do Centro de Estudos Judiciários significou um tournant no ser e no modo dos magistrados portugueses. A riqueza do caminho feito é inseparável do nosso percurso democrático.
Hoje é o tempo e aqui é o lugar para reatar a reflexão, crítica e exigente, e retomar a obra iniciada.
Uma certeza nos une: não se pode querer uma administração da justiça célere, eficaz, rigorosa, responsável, humanizada, autónoma e independente sem uma formação de excelência e uma actualização permanente.
Separamo-nos, porventura, perante propostas concretas saudavelmente desencontradas.
Mas voltamos a unir-nos – acredito firmemente – quanto ao que pressupõe o objectivo da institucionalização de uma formação não endogâmica e cada vez mais comunitariamente controlável.
Pressupõe, sem dúvida, uma disponibilização de meios financeiros que atenda às exigências superlativas, a um tempo nacionais e internacionais – é necessário inverter o sentido da desaceleração do investimento na formação, nitidamente observado nos últimos anos. Se tivermos em mente que apenas uma percentagem que oscila entre os 6 a 7 do orçamento da Escola é destinada a despesas de funcionamento, onde se incluem tanto a formação inicial como a permanente, percebe-se como é difícil pôr em prática um modelo de formação que responda às exigências da sociedade e do direito contemporâneos.
Pressupõe, ainda, a articulação – diálogo e interacção – entre Governo, Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o Centro de Estudos Judiciários – que é uma necessidade institucionalizar.
Pressupõe a aproximação da formação à realidade sócio-económica – que, porventura, se fará não apenas reforçando a vertente não estritamente jurídica da formação, com a revalorização de um tronco de disciplinas que tenha em conta as novas dimensões do agir judiciário, nem tão-só com a colaboração de outros profissionais não magistrados; mas que apela ainda a uma experiência viva – realização de estágios – em outras entidades que não os tribunais.
Pressupõe que a formação se desterritorialize e se abra a outros espaços culturais jurídicos e judiciários. A progressiva institucionalização da Rede Europeia de Formação Judiciária é o sinal claro de que o espaço de liberdade, de segurança e de justiça é credor da confiança mútua que só uma formação no conhecimento dos recíprocos ordenamentos jurídicos e nas práticas judiciárias pode assegurar.
Pressupõe que se fomente a compreensão e o diálogo entre os vários agentes judiciários, caldeados numa comunidade de entendimento sobre os valores constitucionais fundamentais e sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Na diversidade de abordagens e de práticas são os mesmos os valores que a todos unem no sentido do serviço público. A consciência de que todos são necessários à realização da justiça impregna a função judicial, a um tempo da humildade e da abertura que a legitima e torna única, na sua qualidade função soberana – que decide super-partes de um conflito.
Pressupõe formação especializada e permanente – perante a especificidade e evolução contínuas de saberes, de um lado, e a complexidade e inovação da conflitualidade, por outro. São já as «gerações futuras» que interpelam hoje os magistrados, que não podem deixar de responder aos problemas do ambiente, da engenharia e manipulação genéticas, da produção maciça de produtos perigosos ou defeituosos, da criminalidade económica organizada, do terrorismo, nacional, regional e internacional, do genocídio, dos crimes contra a paz e a humanidade.
Pressupõe que se modernize e que se racionalize – que faça apelo às novas tecnologias de informação e de comunicação.
Pressupõe que se abra à compreensão do tempo mediático, fomentando a substituição do segredo dos gabinetes e os alfabetos tecnicistas pelo escrutínio da publicidade e pela proximidade do cidadão com o direito – porque só assim a justiça é democrática.
O Centro de Estudos Judiciários é uma instituição de referência. Além de necessária, insubstituível, destinada a persistir. Porque destinada a lançar raízes e edificar os alicerces de uma justiça melhor. Autonomia e independência constituem, para além de formas institucionais das magistraturas, direitos fundamentais dos cidadãos e da sociedade.
Deslocamos a história do arco do tempo para a arquitectura do espaço. Estamos na antiga cadeia do Limoeiro.
«A cadeia do Limoeiro ainda se manteve em funcionamento durante breves meses, após a revolução de 25 de Abril de 1974. Em Julho desse ano, com a transferência dos últimos presos que aí se encontravam (…) encerrou-se um longo capítulo da história do Limoeiro» - assim se lê num texto de um dos nossos docentes, Jorge Gonçalves, sobre este «local da justiça», inserido no nº1 da Revista do CEJ – primeira evocação, assinale-se, dos seus 25 anos. «Tendo acolhido, transitoriamente, alguns portugueses retornados das antigas colónias africanas» - prossegue o autor - «as instalações do Limoeiro estiveram durante alguns anos desocupadas, até que, em Dezembro de 1979, foram atribuídas ao Centro de Estudos Judiciários. Mas essa é já outra história…». "
Vamos ouvi-la. "
"Comemoram-se, neste ano que vem de entrar, 25 anos de actividade do Centro de Estudos Judiciários. O sentido desta comemoração identifica-se na forma que a soleniza e com o fundo que a justifica.
Aceitou, generosamente Sua Excelência o Presidente da República o convite que a Direcção do Centro de Estudos Judiciários lhe formulou para presidir a esta cerimónia. A presença de Vossa Excelência, que nos honra, entendemo-la como mais um sinal, entre os muitos que vem dando, do relevo em que tem a formação de agentes judiciários para a qualidade da justiça.
Uma palavra de agradecimento sentido ao senhor Ministro da Justiça por mais uma vez estar no Centro de Estudos Judiciários. Esteve na abertura do XXIII Curso de Formação de Magistrados – que, gostosamente, quase enchem hoje este auditório. Esteve na tomada de posse da equipa de dirigentes que me acompanha à frente desta Casa. Está hoje – com o gesto recorrido a deixar a marca indelével do propósito de recolocar a formação de magistrados no lugar que lhe cabe, como vector essencial da reforma da justiça.
Todos nós, os que aqui e agora somos a instituição – dirigentes, docentes, formadores, formandos e funcionários –, experimentamos, nesta circunstância, um misto de orgulho e de responsabilidade no cumprimento do serviço público a que nos devotámos.
A minha homenagem dirige-se ao Centro de Estudos Judiciários
Faço-o nas pessoas concretas que ao longo de 25 anos deram vida à instituição e hoje dão rosto e voz à construção da memória. Sabem daquele momento que inaugura o arco do tempo a que a história pertence.
Duas pessoas – Cunha Rodrigues e Laborinho Lúcio – vão contar-nos daquele dia em que, para usar as palavras de Thomas Mann a diferente propósito, «tiveram início tantas coisas que ainda hoje mal acabaram de começar».
Ambos, de formas diferentes, estão ligados à criação do Centro de Estudos Judiciários e deram o seu esforço, a sua inteligência, a sua experiência para que ele seja hoje uma instituição de referência, enraizada na arquitectura judiciária portuguesa e respeitada no conspecto internacional.
Ambos a comunidade reconhece pela magistratura e pela acção sócio-política.
O retrato de alguém corre sempre o risco de ser o que de fora se vê. Mas, se for verdade que «é a vida mesma que nos biografa», como diz Eduardo Lourenço, reconhece-se em Cunha Rodrigues o poder de olhar para a realidade como se a visse sempre pela primeira vez e que Laborinho Lúcio não desiste de fazer emergir do que toca uma utopia. A potência desveladora da realidade e a força criadora de um e de outro ajudam-nos na tarefa impossível, segundo Borges, de distinguir o fio, entretecido pelas Arianas, que só a nós convém.
Celebrar 25 anos é, ainda, «escolher» o futuro!
O carácter verdadeiramente pioneiro reconhecido à institucionalização da formação de magistrados em Portugal incentiva-nos a descobrir que há outras vitórias para além da da memória.
O renovado sentido da contemporaneidade volta a interpelar-nos e o perfil do magistrado redesenha-se.
Mudou a realidade sociológica e mudou o direito.
Fala-se de «ruptura epocal» e de «choque antropológico» – que identificam uma sociedade global, do risco, caótica e de fluxos instantâneos na sua nova forma de organização. Fala-se de uma alteração de paradigma: estamos nos antípodas do optimismo das Luzes, em que o percurso de domínio do Mundo pelo Homem está comprometido por um percurso de conquista ilimitada. O Coro de Antígona devia hoje ser dito sob o signo da «inquietação» que o retorno dos mitos de Frankenstein ou do Aprendiz de Feiticeiro traduzem.
A globalização traz a marca de um direito pós-moderno, que se constrói em oposição (anti-moderno) ou no prolongamento (hiper-moderno) do direito dito moderno.
Pouco importa a etiqueta que se lhe quiser apôr!
O que é facto é que a paisagem jurídica mudou. A «teoria dos modelos» apela à «catástrofe normativa» para exprimir a ruptura que representam as interligações cada vez mais complexas e interactivas, a animar uma «futura estabilização de acordo com um outro modelo».
A sociedade do risco, fundada no medo, não é um arcaísmo, uma resistência ao progresso. É o último avatar do progresso. Por isso se abre diante de nós como um desafio a possibilidade de criação de novos conceitos de direito – e também de liberdade e de democracia.
O paradigma de justiça das sociedades democráticas actuais é devedor da razão crítica, do pluralismo, da secularização, da defesa intransigente dos direitos humanos – conquistas irrenunciáveis da modernidade que há que preservar. Mas também (é devedor) do equívoco e dos limites do poder da «razão técnico-actuarial» e da cegueira do domínio do Mundo pela tecnociência.
Imperativo é fazer regressar o Homem - uma certa Imagem de Homem – ao centro do Mundo. No novo quadro axiológico, inspirado pelo valor da solidariedade, a liberdade – liberdade solidária – obriga o Homem – digo-o como Baptista Machado nos ensinou – à participação na humanidade histórica como «ser-com-os-outros» e «ser-para-os-outros». E por isso aponta aos direitos individuais a dimensão do que cada um «deve» fazer e não o que «pode» fazer.
É neste fio de horizonte que ressurge a autonomia e independência do judiciário.
Não falo já, à escala mundial, de repensar um novo equilíbrio de poderes – de que Montesquieu nem suspeitaria… - com o político e o económico, na ausência de um legislativo e de um executivo.
Falo de uma administração da justiça, exercida sob a arbitragem dos media e de uma sociedade civil cada vez mais interventiva e atenta, a que se exige produtividade e eficácia. Porque hoje não se duvida que a qualidade de funcionamento do sistema judiciário é um elemento essencial do desenvolvimento económico, numa intersecção revelada por análises económicas da justiça.
Falo de uma administração da justiça que tem de responder comunitariamente pela consideração em que tem os interesses, expectativas e necessidades dos cidadãos e pelo resultado do seu desempenho. O que é hoje uma exigência democrática.
E falo de uma administração da justiça que tenha sempre por trasfondo que é exercida pelo Homem e para o Homem. Isto é: sob o pano de fundo dos valores do Estado de Direito e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados.
A trama judiciária tece-se com estes fios.
A criação do Centro de Estudos Judiciários significou um tournant no ser e no modo dos magistrados portugueses. A riqueza do caminho feito é inseparável do nosso percurso democrático.
Hoje é o tempo e aqui é o lugar para reatar a reflexão, crítica e exigente, e retomar a obra iniciada.
Uma certeza nos une: não se pode querer uma administração da justiça célere, eficaz, rigorosa, responsável, humanizada, autónoma e independente sem uma formação de excelência e uma actualização permanente.
Separamo-nos, porventura, perante propostas concretas saudavelmente desencontradas.
Mas voltamos a unir-nos – acredito firmemente – quanto ao que pressupõe o objectivo da institucionalização de uma formação não endogâmica e cada vez mais comunitariamente controlável.
Pressupõe, sem dúvida, uma disponibilização de meios financeiros que atenda às exigências superlativas, a um tempo nacionais e internacionais – é necessário inverter o sentido da desaceleração do investimento na formação, nitidamente observado nos últimos anos. Se tivermos em mente que apenas uma percentagem que oscila entre os 6 a 7 do orçamento da Escola é destinada a despesas de funcionamento, onde se incluem tanto a formação inicial como a permanente, percebe-se como é difícil pôr em prática um modelo de formação que responda às exigências da sociedade e do direito contemporâneos.
Pressupõe, ainda, a articulação – diálogo e interacção – entre Governo, Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público e o Centro de Estudos Judiciários – que é uma necessidade institucionalizar.
Pressupõe a aproximação da formação à realidade sócio-económica – que, porventura, se fará não apenas reforçando a vertente não estritamente jurídica da formação, com a revalorização de um tronco de disciplinas que tenha em conta as novas dimensões do agir judiciário, nem tão-só com a colaboração de outros profissionais não magistrados; mas que apela ainda a uma experiência viva – realização de estágios – em outras entidades que não os tribunais.
Pressupõe que a formação se desterritorialize e se abra a outros espaços culturais jurídicos e judiciários. A progressiva institucionalização da Rede Europeia de Formação Judiciária é o sinal claro de que o espaço de liberdade, de segurança e de justiça é credor da confiança mútua que só uma formação no conhecimento dos recíprocos ordenamentos jurídicos e nas práticas judiciárias pode assegurar.
Pressupõe que se fomente a compreensão e o diálogo entre os vários agentes judiciários, caldeados numa comunidade de entendimento sobre os valores constitucionais fundamentais e sobre os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Na diversidade de abordagens e de práticas são os mesmos os valores que a todos unem no sentido do serviço público. A consciência de que todos são necessários à realização da justiça impregna a função judicial, a um tempo da humildade e da abertura que a legitima e torna única, na sua qualidade função soberana – que decide super-partes de um conflito.
Pressupõe formação especializada e permanente – perante a especificidade e evolução contínuas de saberes, de um lado, e a complexidade e inovação da conflitualidade, por outro. São já as «gerações futuras» que interpelam hoje os magistrados, que não podem deixar de responder aos problemas do ambiente, da engenharia e manipulação genéticas, da produção maciça de produtos perigosos ou defeituosos, da criminalidade económica organizada, do terrorismo, nacional, regional e internacional, do genocídio, dos crimes contra a paz e a humanidade.
Pressupõe que se modernize e que se racionalize – que faça apelo às novas tecnologias de informação e de comunicação.
Pressupõe que se abra à compreensão do tempo mediático, fomentando a substituição do segredo dos gabinetes e os alfabetos tecnicistas pelo escrutínio da publicidade e pela proximidade do cidadão com o direito – porque só assim a justiça é democrática.
O Centro de Estudos Judiciários é uma instituição de referência. Além de necessária, insubstituível, destinada a persistir. Porque destinada a lançar raízes e edificar os alicerces de uma justiça melhor. Autonomia e independência constituem, para além de formas institucionais das magistraturas, direitos fundamentais dos cidadãos e da sociedade.
Deslocamos a história do arco do tempo para a arquitectura do espaço. Estamos na antiga cadeia do Limoeiro.
«A cadeia do Limoeiro ainda se manteve em funcionamento durante breves meses, após a revolução de 25 de Abril de 1974. Em Julho desse ano, com a transferência dos últimos presos que aí se encontravam (…) encerrou-se um longo capítulo da história do Limoeiro» - assim se lê num texto de um dos nossos docentes, Jorge Gonçalves, sobre este «local da justiça», inserido no nº1 da Revista do CEJ – primeira evocação, assinale-se, dos seus 25 anos. «Tendo acolhido, transitoriamente, alguns portugueses retornados das antigas colónias africanas» - prossegue o autor - «as instalações do Limoeiro estiveram durante alguns anos desocupadas, até que, em Dezembro de 1979, foram atribuídas ao Centro de Estudos Judiciários. Mas essa é já outra história…». "
Vamos ouvi-la. "
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