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julho 15, 2005

Parecer do CSMP sobre alteração da LOFTJ e outros diplomas

I. Através de ofício de 15 de Junho de 2005, Sua Excelência o Ministro da Justiça remeteu a este Conselho Superior uma cópia do «projecto de diploma que altera a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, o Estatuto dos Magistrados Judiciais, o Estatuto do Ministério Público, a Lei Orgânica sobre a Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional e o Estatuto dos Funcionários de Justiça» e solicitou «o envio, com carácter de urgência, de eventuais observações que o mesmo lhe mereça».
Em primeira apreciação, e tal como se prefigurava perante a forma de designação adoptada, o designado projecto de diploma
[1] incide sobre matérias de organização judiciária, designadamente a duração das férias (grandes) judiciais, a competência dos juízos de execução, as ausências, férias, licenças e dispensas de serviço de magistrados judiciais e do Ministério Público e funcionários de justiça, e de juízes e funcionários da Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, sobre mapas de férias, medidas complementares necessárias à implementação da redução do periodo das férias judiciais, além de normas de direito transitório e sobre entrada em vigor do diploma projectado. Trata-se, sem margem de dúvida, de intenção legislativa no âmbito da administração da justiça e, especificamente, em matéria de organização judiciária.
Nos termos do disposto na al. h) do art. 27º do Estatuto do Ministério Público, é da competência do Conselho Superior do Ministério Público emitir parecer em matéria de organização judiciária e, em geral, de administração de justiça, não registando a lei nenhuma diferença consoante se trate, ou não, de parecer de iniciativa do próprio Conselho Superior ou precedido de convite de outro órgão, nem qualquer limitação de pronúncia consoante a natureza das matérias, nem mesmo conforme tenham ou possam ter interferência com o Ministério Público.
Regista-se, contudo, que na conclusão da exposição de motivos que antecede o projecto de proposta de lei se refere terem sido ouvidos, entre outros, este Conselho Superior, apenas «no que respeita à alteração do regime das férias judiciais». E é também verdade que, tratando-se de um projecto de proposta de lei, ou seja, de um projecto de diploma parlamentar, com iniciativa governamental, deverá ser a Assembleia da República, no momento adequado do correspondente procedimento legislativo, a desencadear a participação dos órgãos que, a título meramente consultivo ou deliberativo, devam pronunciar-se previamente à aprovação do diploma - nalguns casos, até, por imperativo constitucional.
Seja como for, não estando legalmente limitado nem pelo âmbito da consulta, nem pela sede procedimental em que é auscultado, é no uso da referida competência que o Conselho Superior do Ministério Público se pronuncia, sobre a totalidade das matérias em jogo que, no seu merecimento, o justifiquem.

II. Em 24 de Junho de 2005 deu, entretanto, entrada nos competentes serviços da Assembleia da República, Proposta de Lei, que recebeu o nº 23/X/1, correspondente ao projecto submetido a este Conselho Superior, mas com diversas alterações.
Para além das questões técnicas que coloca este facto – designadamente a de saber sobre qual dos textos é ouvido este Conselho Superior e se a referência à sua audição, que consta da Proposta de Lei já apresentada ao Parlamento, se pode considerar com real – surge, para os efeitos do presente relatório, um problema metodológico com que se impõe lidar desde já sob pena de inutilidade da pronúncia que venha a ser feita.
As opções disponíveis estão à vista: apreciar o texto submetido por Sua Excelência o Ministro da Justiça, e só esse, remetendo posteriormente o correspondente parecer do Conselho Superior do Ministério Público a esse membro do Governo; apreciar apenas o texto da Proposta de Lei nº 23/X/1 e só esse, remetendo posteriormente o correspondente parecer à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República; ou apreciar ambos os textos, remetendo o parecer a ambos os mencionados órgãos.
A primeira opção ignoraria o estádio corrente do processo legislativo, seria inútil. A segunda deixaria sem resposta Sua Excelência o Ministro da Justiça. A terceira tem a vantagem de tornar, hipoteticamente, desnecessária nova consulta.
E assim, o texto que se segue aprecia a versão do projecto de proposta de lei que acompanhou o ofício de Sua Excelência o Ministro da Justiça de 15 de Junho, seguindo-se, quando pertinente, referência às alterações incluídas na Proposta de Lei, apreciando se estas respondem ou antes deixam intocado o sentido da apreciação feita primeiramente.
Em coerência, propor-se-á que o parecer do Conselho Superior do Ministério Público seja remetido à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República e também a Sua Excelência o Ministro da Justiça.

III. Do ponto de vista da política legislativa, partilha o Conselho Superior do Ministério Público da preocupação de racionalização do sistema judicial. A questão de saber se a revisão (mais concretamente, esta revisão, nos contornos projectados) do actual regime de férias judiciais constitui válido mecanismo - necessariamente parcelar - de tutela dessa preocupação, dependeria de uma análise do sistema de reavaliação do modelo de funcionamento do aparelho judiciário, cuja necessidade a exposição de motivos afirma, e cuja existência se pressupõe, mas que não se revela, desconhecendo-se o âmbito com que terá sido levada a cabo, os seus pressupostos, a sua metodologia e as suas conclusões.
Para mais, o articulado proposto torna, ele próprio, necessário, para assegurar a concretização prática da redução das férias grandes judiciais, um conjunto aberto de medidas complementares – tão aberto que ficam dúvidas sobre a quem competirá a iniciativa para as tomar, se à Assembleia da República ou se ao Governo mediante autorização legislativa ainda desconhecida, caso interfiram com matéria de reserva de competência legislativa – , o que torna inviável, neste momento, uma apreciação do mérito de todo o programa legislativo (ou legislativo-regulamentar) do Governo, por falta de conhecimento de toda a sua extensão e intenção, tendo, como tem, por objecto um segmento estruturante da organização judiciária, quadrante do exercício do direito a férias do elemento pessoal da organização judiciária e condicionante ou interferente com o mesmo direito de advogados, de partes e de intervenientes acidentais, e que é, simultaneamente, instituto processual de inexcedível importância prática.
As limitações à apreciação de mérito programático não impedem, contudo, a análise pontual das concretas propostas de solução já conhecidas. Quanto a estas, e para este efeito, o projecto pode dividir-se: normas sobre redução e organização das férias judiciais e suas implicações, e normas sobre competência dos juízos de execução.

IV. Começando por estas. Anuncia o Governo (no texto inicial) ter procurado – aproveitando o ensejo da alteração à Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) – clarificar o sentido da norma do art. 102º-A, aditado pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, estabelecendo que a competência dos juízos de execução é exclusivamente em matéria cível.
Para tanto, na redacção original do preceito, aprovada pelo art. 14º do referido Decreto-Lei nº 38/2003, pretende-se substituir a expressão «…no âmbito do processo de execução…» por «…no âmbito dos processos de execução de natureza cível e de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível…».
Afigura-se, porém, que a redacção proposta não irá clarificar e superar todas as dificuldades interpretativas que estão na base da pretendida alteração e, além disso, irá provocar uma importante alteração do statu quo ante que o proto-legislador não previu (ou, se previu, não anunciou).
Assim, se com a redacção proposta ficará claro que as coimas deixam de ser executadas nos juízos de execução, já se manterão as hesitações hermenêuticas, e potenciais conflitos de competência, quando se coloque a questão de saber a quem competirá a execução que tenha por base título executivo que não seja decisão judicial (v.g. títulos comerciais da competência do tribunal do comércio, surgindo hipótese de conflito entre o tribunal do comércio e os juízos de execução), ou quanto a uma multa aplicada em processo do tribunal marítimo, em processo laboral ou ainda em processo do tribunal de família e menores.
Além disso – e eis a modificação que pode não ter sido devidamente equacionada - a aplicação imediata do preceito, na nova redacção, às acções executivas pendentes (cfr. o art. 10º do projecto) irá, em numerosos casos, ter consequências perversas, designadamente na perspectiva da celeridade processual. É que o art. 102º-A da LOFTJ, introduzido pelo Decreto‑Lei nº 38/2003, de 8 de Março, não teve aplicação às execuções pendentes à data da entrada em vigor deste diploma, mas apenas aos processos instaurados após 15 de Setembro de 2003. Há, assim, acções executivas complexas, instauradas antes desta data e que ainda pendem nas varas e juízos cíveis, com incidentes vários, que não foram antes, mas irão agora, para os juízos de execução.
Em suma: não só permanecerão por clarificar um conjunto de situações de dúvida potencial acerca da competência para a execução, como se gerarão previsíveis perturbações, designadamente com a remessa aos juízos de execução de acções executivas pendentes em 14.09.03 (não estando, também nestas, afastadas hipóteses de conflito de competência) e a que não se tinha aplicado a reforma da execução executiva de 2003 quanto à competência dos juízos de execução.
É, contudo, nesta matéria que a Proposta de Lei nº 23/X/1 mais se afasta do projecto inicial. A própria Exposição de Motivos disso dá conta no seu penúltimo parágrafo, evoluindo sensivelmente quanto à intenção inicial, anunciando alteração, em conformidade, não apenas do art. 102º-A da LOFTJ, mas ainda dos seus arts. 77º, 97º e 103º, de modo a resolver as dúvidas que, no primitivo modelo, se iriam suscitar. Além disso, o Governo apercebeu-se a tempo do problema da aplicação no tempo destas alterações legislativas, e manteve a limitação às execuções propostas a partir de 15.09.03, modificando o art. 10º da proposta de lei.
Ainda assim, é este Conselho Superior de parecer que, embora necessária a revisão da lei nesta matéria, se afigura prematuro fazê-lo nos termos propostos e carecida a intenção de um estudo mais aprofundado, até porque se encontram anunciadas várias outras medidas para desbloquear a reforma da acção executiva e é de todo conveniente que as intervenções legislativas na mesma matéria se façam de forma coerente, simultânea e ponderada.

V. A proposta visa reduzir as férias grandes judiciais a trinta e um dias, em lugar dos sessenta e um actuais, deixando inalterada a duração das férias pequenas
[2]. As primeiras passarão a cingir-se ao mês de Agosto, perdendo os actuais 16 dias de Julho e 14 dias de Setembro que as integram.
A primeira questão que esta medida coloca prende-se com a interferência entre as férias judiciais e as férias funcionais.
Daí que seja importante ter presente a dimensão do período de férias grandes judiciais em dias úteis – porque o direito a férias dos funcionários se vence nessa unidade de contagem, e não apenas em dias corridos.
O mês de Agosto pode ter entre 20 e 22 dias úteis, do que se conclui que o período das férias judiciais do Verão, só por si, não chega para o gozo completo do período de férias a que tem direito a generalidade dos magistrados (e cfr. o art. 2º, nºs 1 e 3 do Decreto-Lei nº 100/99, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 157/2001, de 11 de Maio). Com efeito muitos magistrados e funcionários têm direito a 28 dias úteis de férias em cada ano, sendo que vários têm mesmo direito a 30 dias úteis por ano.
Do teor do projecto se verifica não ter sido possível conter no período abreviado das férias judiciais do Verão o exercício do direito funcional em causa. E por isso se introduz, nesse projecto, a previsão da possibilidade de gozo de férias funcionais fora do período de férias judiciais de Verão, designadamente no período entre 15 e 31 de Julho, período que inclui entre 11 e 13 dias úteis.
Esta possibilidade – tradução do evidente sincretismo da reforma, que a compromete e desvirtua – como que denuncia a sua insuficiente maturidade - pois conduz necessariamente a que pouco mais seja possível, nesse mês e meio, do que possibilitar a todos os magistrados e funcionários o exercício do seu direito a férias e atribuir a cada um deles um turno de alguns poucos dias, para dar resposta às situações urgentes do seu próprio encargo e dos Colegas que se encontrem no exercício do seu direito ao descanso anual.
Além disso, a possibilidade pode mesmo mostrar-se perniciosa no que ao desempenho do Ministério Público respeita, pois durante essa segunda quinzena de Julho continuarão a correr os prazos preclusivos, mesmo nos processos não urgentes (e quanto a este ponto é de notar que a medida não conduz a uma justa repartição de sacrifícios entre todos os actores judiciários, prejudicando magistrados do Ministério Público e, por razões análogas, advogados). Poderá, por outro lado, conduzir frequentemente à violação de regras que constituem ou integram o núcleo essencial do direito a férias – designadamente a da não imposição do gozo interpolado e a duração mínima de um dos períodos, em caso de gozo interpolado constantes do art. 5º do Decreto-Lei nº 100/99, já referido.
Em qualquer caso, por respeito à política legislativa definida pelo Governo, atentos os termos em que a mesma vem anunciada – não integrada, pelo menos por ora, na proposta de um novo desenho de funcionamento dos tribunais –, em vista a ser salvaguardada a coerência do sistema existente (e o controlo da gestão respectiva), tem-se por mais adequado, nesta fase, operar‑se a redução do período das férias judiciais de Verão para 48 dias – de 16 de Julho a 31 de Agosto –, devendo as férias dos magistrados e funcionários ser gozadas durante o período de férias judiciais, salvo “motivo de interesse público ou outro legalmente previsto”, resultando prejudicada a previsão dos arts. 10º-A, n º 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), 88º, nº 2 do Estatuto do Ministério Público (EMP) e 59º, nº 6 do Estatuto dos Funcionários Judiciais (EFJ), na redacção projectada.

VI. A redacção encontrada para a nova versão dos arts. 9º do EMJ e 86º do EMP contrapõe à situação de «exercício de funções» a situação que se verifica «no período autorizado de férias», em termos que permitem a conclusão de que, neste período autorizado de férias, os magistrados judiciais e os magistrados do Ministério Público não se encontram em exercício de funções. Tal entendimento – que não se afigura estar perspectivado nas intenções constantes da exposição de motivos – pode, porventura, ser levado a extremos indesejados e mereceria, por isso, adequada revisão.

VII. Quanto às dispensas de serviço até ao limite anual de seis dias considerada, designadamente, nos projectados arts. 10º-A, nº 2, do EMP, 88º, nº 2, do EMP, 43º, nº 10 da LOFPTC e 59º, nº 6 do EFJ, merece reservas a sua consagração nos termos em que surge.
Em primeiro lugar, coloca-se a questão da finalidade de tais dispensas, que no projecto de proposta de lei em apreciação se considera irrelevante (pois podem ser autorizadas independentemente da finalidade). Desligadas de motivação funcional – ainda que indirecta – compreende-se mal a justificação da medida no cenário fundamentante descrito na exposição de motivos. Na versão submetida ao Parlamento, esta preocupação surge algo mitigada, com a exigência de prévia verificação de inexistência de inconveniente para o serviço.
Em segundo lugar, justifica-se a preocupação acerca do regime ou dos efeitos jurídicos dessas dispensas, designadamente no que respeita à perda de vencimento e/ou antiguidade – até pelo paralelo que surge entre as mesmas e o regime geral da função pública constante do art. 68º do Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março, que prevê, para o caso do tipo de faltas que regula, que as mesmas «descontem para todos os efeitos legais».
O mesmo se observa quanto a eventuais consequências desta dispensa sobre o período de férias. Efectivamente, a lei já prevê a possibilidade de os magistrados faltarem, até três dias por mês e 10 por ano, ocorrendo motivo ponderoso. Os magistrados judiciais devem comunicar a sua ausência ao Conselho Superior da Magistratura, em regra previamente, sendo que os magistrados do Ministério Público carecem, também como regra, de autorização prévia do seu superior hierárquico. Nestes casos, e por analogia com o lugar paralelo do art. 66º do mencionado Decreto-Lei nº 100/99, é defendido que tais faltas dão lugar a desconto no período de férias. Introduzindo-se agora um paralelo também ao regime do art. 69º do mesmo diploma, seria oportuno clarificar o efeito da nova dispensa e porventura confirmar o daquelas faltas por motivo ponderoso, já consagradas, até em virtude da importância que a contagem rigorosa de antiguidade tem para efeitos de colocação na carreira. Omissões legislativas a este nível constituem motivo para futuros conflitos de interessados, sem qualquer justificação.

VIII. O projectado art. 105º-A do EMP coloca o problema mais evidente de toda a proposta, a diversos níveis, todos de imediata percepção e com contornos muito nítidos:
- por bulir directamente com princípios dotados de consagração e tutela constitucional, nomeadamente os da autonomia do Ministério Público e de separação das magistraturas;
- por prever a competência de um órgão – o juiz presidente – que não existe em vários serviços do Ministério Público (Conselho Consultivo, inspecções‑gerais, auditorias jurídicas, DCIAP, DIAPs), sem cuidar de regular esses casos;
- por sujeitar, nos outros casos, a magistratura do Ministério Público a uma questionável competência do juiz presidente, de difícil compreensão, sobretudo quando estão em causa questões de índole funcional para as quais é muito razoável conceber a existência de alternativas praticáveis, o seguramente gerará evitáveis atritos.
O modelo proposto apresenta-se, desde logo, com contornos estranhos à tradição da organização judiciária: (i) “organização” do mapa de férias do Ministério Público pelo juiz-presidente - nº 1; (ii) utilização, para tanto, de “modelo definido” pelo Conselho Superior do Ministério Público (a cuja competência de gestão o juiz-presidente não está submetido, e tornando-o instrumento de gestão do Ministério Público) - nº 4; (iii) emissão pelo mesmo juiz-presidente de «parecer» (cuja natureza, vinculativa ou meramente consultiva se debaterá e levará a conflitos organizativos indesejáveis) - nº 2; (iv) submissão do parecer à «aprovação» (vinculada? discricionária?) do superior hierárquico do magistrado do Ministério Público em questão - nº 3. E de eficácia duvidosa: quid juris quando o «parecer» do juiz-presidente não mereça a «aprovação» do do superior hierárquico do magistrado do Ministério Público?
Note-se, além disso, que o nº 4 deste projectado artº 105º-A do EMP prevê a indicação de um «magistrado substituto» e fala também em «substituição legal», mas durante as férias judiciais parece que não será essa a forma adequada de suprir a ausência dos magistrados, devendo esse suprimento fazer-se, antes, através dos turnos de férias.
A tradição da organização judiciária é conhecida, e encontra-se plasmada nos arts. 32º, 53º e 73º da LOFTJ. Não são conhecidas críticas à metodologia aí consagrada que justifiquem a adopção de outras soluções, para mais quando estas se antevêem como constitucionalmente duvidosas, funcionalmente ineficazes e portadoras de formas embrionárias de conflito institucional.
A Proposta de Lei dá eco claro a algumas destas preocupações e surge significativamente alterada. O juiz-presidente deu lugar ao Juiz-Presidente do Tribunal da Relação respectivo no que respeita ao mapa de férias dos magistrados judiciais
[3] (no art. 28º-A do EMJ) e ao Procurador-Geral Distrital no que toca aos magistrados do Ministério Público (no art. 105º-A do EMP).

IX. Crítica semelhante merece o proposto aditamento do art. 59.º‑A ao EFJ, designadamente no que respeita aos oficiais de justiça do Ministério Público.
Na verdade, no n.º 3 desse preceito se prevê a obtenção do parecer favorável do juiz presidente, quando é certo que nos serviço próprios do Ministério Público (por exemplo DIAPs e secretarias do Ministério Público) não se compreende – a não ser por lapso - a não intervenção de magistrado do Ministério Público. É deste, e não do juiz-presidente, que pode e deve ser obtido parecer no que respeita às férias dos funcionários de justiça dessas secretarias.
Mesmo na Proposta de Lei, que corrigiu a situação como acima se deu conta, permanece, porém, o problema no que respeita aos funcionários judiciais, porventura por não ter sido representada a existência de secretarias do Ministério Público relativamente às quais não encontra sentido a intervenção do juiz-presidente do Tribunal. Assim, impõe-se, no nº 2 do art. 59º-A do EFJ rectificar a redacção, pelo menos da seguinte forma:
2. Com vista a garantir o regular funcionamento do tribunal, a proposta de mapa de férias é remetida para aprovação ao juiz presidente do tribunal ou ao magistrado do Ministério Público competente, conforme os casos, garantida que esteja a harmonização com os mapas de férias anuais propostos para os magistrados judiciais e para os magistrados do Ministério Público.

X. Nos arts. 28º-A, nº 5 do EMJ, 105º-A, nº 3 do EMP e 59º-A, nº 3 do EFJ, na redacção projectada, prevê-se a afixação pública dos mapas de férias, sem contudo se justificar tal opção em sede de exposição de motivos.
Ora, não sendo avançada explicação para procedimento contrário à regra do regime geral da função pública, que apenas estabelece o «conhecimento aos respectivos funcionários e agentes» (art. 6º, nº 1 do Decreto-Lei nº 100/99, de 31 de Março) – pois trata-se de actos e procedimentos de natureza interna –, a nova exigência não merece aplauso.
A Proposta de Lei substitui a afixação pública dos mapas de férias pela sua disponibilidade para consulta, em versão integral ou abreviada, nas instalações do tribunal. Não se alcançando o que possa ser a versão abreviada do mapa de férias, entende-se que a solução permanece passível de crítica caso se entenda que a consulta visada é a consulta do público, para a qual se não encontra razão justificativa.

XI. A rever, também, o uso da locução «secretário de justiça» - nas alterações ao EFJ, designadamente nos nºs 4 e 6 do art. 59º. Nos tribunais superiores, a categoria correspondente é a de «secretário de tribunal superior» (art. 3º do EFJ).

XII. Em matéria de interrupção de férias – nº 4 do art. 59º do EFJ, também na redacção em causa (que se afasta levemente do texto originário da proposta) – afigura-se ser de manter o regime actualmente vigente: interrupção directamente sujeita a determinação do “magistrado de quem o funcionário dependa”. Tal determinação haverá necessariamente, nos termos do Cód. Procedimento Administrativo – necessidade que, para maior clareza, poderia ser explicitada no preceito a rever (v. art. 10º, nº 5 do Decreto-Lei nº 100/99).

XIII. Cumpre ainda, suscitar uma questão de legística que se perfila com maior evidência, sobre a entrada em vigor e aplicação no tempo das medidas a adoptar.
O regime de entrada em vigor previsto no projecto de proposta de lei mostra-se confuso e formalmente inoperativo. Efectivamente, prevê-se que o diploma venha a entrar em vigor em 31.12.2005, «com excepção da redacção conferida ao art. 102º-A da Lei nº 3/99 pelo art. 1º, que entra em vigor no dia seguinte ao da publicação».
Em primeiro lugar, não é tecnicamente correcto afirmar-se que é a redacção conferida ao art. 102º-A da Lei nº 3/99 pelo art. 1º que entra em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma que a aprovar. O que, efectivamente, se deveria estabelecer é que o art. 1º do diploma, na parte em que confere nova redacção ao art. 102º-A da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro (a data deve constar do texto), entra em vigor no dia seguinte ao da respectiva publicação. Esta preocupação deixou de ter razão de ser perante a reformulação da norma que na Proposta de Lei se patenteia.
Em segundo lugar, não basta antecipar a entrada em vigor do art. 1º nessa parte, sendo necessário igualmente antecipar a entrada em vigor do art. 10º, que disciplina a aplicação no tempo daquela alteração. Não faz sentido uma sem a outra: se a norma que torna a norma do art. 102º-A da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, na nova redacção que lhe é imediatamente dada pelo art. 1º do diploma, só entrar em vigor em 31.12.2005, de nada serve a imediata entrada em vigor desse art. 1º. Também aqui a Proposta de Lei se antecipou, resolvendo o problema.
Finalmente – e aqui tudo se mantém da mesma forma –, também o art. 9º da proposta de diploma projectado, embora por razões diferentes, tem de entrar em vigor mais cedo do que a generalidade das demais normas: é que nesse preceito se determina a adopção de certas medidas complementares destinadas a assegurar a implementação da redução do período de férias, adopção essa que se manda ter lugar até à entrada em vigor da presente lei. Ora, se este artigo só entrar em vigor juntamente com a generalidade dos demais, a determinação que encerra nunca chega a ocorrer, porque a previsão normativa correspondente fica esvaziada de sentido concreto possível.
Recomenda-se, assim, a bem da correcção e simplificação legislativas, também a revisão do regime de entrada em vigor e aplicação no tempo projectados.
Em conclusão:
1. Desconhecido o processo de avaliação legislativa subjacente ao programa traduzido no projecto (agora na Proposta de Lei) em análise, e assumindo-se ele próprio como incompleto e carecido de medidas complementares necessárias para assegurar o principal objectivo visado, medida que se desconhecem igualmente, torna-se inviável a apreciação do mérito desse programa, que sempre será de aplaudir caso se venha a constatar que traduz um eficiente mecanismo parcelar de tutela da racionalidade do sistema judicial, entendida esta em todas as suas dimensões operativas. Tal não prejudica a possibilidade de apreciação das medidas individualmente projectadas.
2. Comunga-se do sentimento de imprescindibilidade da revisão da lei na matéria da competência dos juízos de execução, embora se afigure a este Conselho prematuro fazê-lo nos termos propostos, e necessário um estudo mais aprofundado, até porque se encontram anunciadas várias outras medidas para desbloquear a reforma da acção executiva e é de todo conveniente que as intervenções legislativas na mesma matéria se façam de forma coerente, simultânea e ponderada.
3. A matéria da redução das férias grandes judiciais a, apenas, o mês de Agosto, desinserida de uma revisão mais ampla e efectiva do modelo de funcionamento dos tribunais, desembocou num modelo sincrético – férias judiciais justapostas a férias funcionais (satelitizadas estas na quinzena que imediatamente precede o início do período daquelas) que urge superar, para salvaguarda do sistema existente e para evitar o desequilíbrio de sacrifícios entre os actores judiciários. Essa superação pode e deve concretizar-se mediante a redução das férias judiciais, nestas fase, para 48 dias, isto é, de 15 de Julho a 31 de Agosto.
4. As dispensas de serviço até ao limite anual de seis dias, apesar de dependentes de inexistência de inconvenientes para o serviço, mostram-se desligadas de motivação funcional – ainda que indirecta, o que se compreende mal no cenário fundamentante descrito na exposição de motivos – economia e celeridade processuais justificativas da redução para metade das férias judiciais do Verão.
5. Torna-se imperioso regular os efeitos jurídicos destas dispensas, designadamente no que respeita à perda de vencimento e/ou antiguidade, tendo presente, entre outros aspectos, a relevância da antiguidade para efeitos de posicionamento nas carreiras.
6. No que respeita à organização de mapas de férias do pessoal oficial de justiça da carreira dos serviços do Ministério Público, em especial o colocado em DIAPs e nas secretarias privativas do Ministério Público, não se compreende – a não ser por lapso, com relevo ao nível da autonomia das magistraturas, - a não intervenção do magistrado do Ministério Público competente.
7. Não se encontra razão forte que recomende a disponibilidade dos mapas de férias de magistrados e funcionários para consulta nas instalações do tribunal, sugerindo-se que os mesmos sejam apenas de divulgação e conhecimento internos.
8. Recomenda-se a consagração directa do dever de fundamentação da determinação do magistrado de quem o funcionário dependa para a interrupção das respectivas férias.
9. As competências do secretário de justiça, designadamente em matéria de organização do mapa de férias, devem, nos tribunais superiores, ser da competência dos secretários de tribunal superior, categoria que se distingue da primeira. Deve pois ser adaptada a formulação correspondente, designadamente pelo uso, apenas, da locução «secretário».
10. A estatuição da norma do projectado art. 9º implica a sua entrada em vigor em momento anterior ao da generalidade do diploma, sobpena de exaustão da respectiva previsão.
[1] Trata-se, na verdade, de projecto de proposta de diploma.
[2] As ferias pequenas – expressão usada por Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., 1948 (reimpr., 1982) p. 284 – mantêm a duração actual, de 22 dias, sendo 13 por ocasião do Natal e fim do ano, e nove pela Páscoa. Antes da supressão das férias judiciais do Carnaval, com a duração de dois dias, as férias do Natal e fim do ano duravam 11 dias, e da Páscoa os mesmos nove, pelo que a duração total era a mesma.
[3] O nº 1 do art. 28º-A, na versão da Proposta de Lei nº 23/X/1, refere: «Em cada distrito judicial é elaborado mapa de férias anual dos magistrados, cabendo a sua organização ao Juiz Presidente do Tribunal da Relação respectivo…». Tratando-se, muito embora, de preceito a incluir no EMJ, seria conveniente que se escrevesse «… mapa de férias anual dos magistrados judiciais…» - não só porque no nº 2 do mesmo preceito se usa a expressão «magistrados do Ministério Público» mas até porque é aquela – «magistrados judiciais» e não apenas «magistrados» a expressão que, na generalidade dos restantes preceitos, o EMJ já utiliza.